MÓDULO: SOCIEDADES TOTALITÁRIAS NO CINEMA: REALISMO E DISTOPIA
FILME: Vincere (Marco Bellocchio, 2009)
DATA: 22/08/2019
Nesta
quinta, dia 22, às 16:30, exibimos o filme Vincere (2009), a fim de continuar
discutindo os aspectos históricos do fascismo italiano e sua forma de
representação pelo cinema.
O drama narra os acontecimentos de um capítulo ignorado na biografia oficial do líder italiano, Benito Mussolini: sua primeira esposa Ida Dalser e o filho que teve com ela, Benito Albino. Misturando imagens documentais da ascensão de Mussolini e do fascismo, o filme faz uma bela junção entre argumento histórico e drama passional.
O drama narra os acontecimentos de um capítulo ignorado na biografia oficial do líder italiano, Benito Mussolini: sua primeira esposa Ida Dalser e o filho que teve com ela, Benito Albino. Misturando imagens documentais da ascensão de Mussolini e do fascismo, o filme faz uma bela junção entre argumento histórico e drama passional.
Crítica: Vincere
Marco Bellocchio volta a um evento histórico da Itália para falar do discurso político de modo geral
Marcelo Hessel
Assim como em Bom Dia, Noite, o filme anterior do cineasta Marco Bellocchio a estrear em circuito comercial no Brasil, Vincere
("vencer" em italiano) aborda a relação frenquentemente
conflituosa que Igreja e Estado mantêm na Itália. Desta vez,
voltamos à primeira metade do século 20 para acompanhar a história
real de Ida Dalser, que morreu sozinha tentando convencer a todos que
era esposa de Benito Mussolini.
O filme começa com o futuro líder fascista (vivido por Filippo Timi)
falando para um grupo de católicos de Trento, em nome do grupo
socialista do qual rapidamente se tornaria porta-voz, que Deus não
existe. A ousadia de Mussolini encanta Ida (Giovanna Mezzogiorno),
e os dois logo se tornam amantes às vésperas da Primeira Guerra
Mundial. Diz a história oficial que o primeiro e único filho do
casal, Benito Albino Mussolini, nasceu em 1915 - e o pai o
reconheceu legalmente, ainda que naquele mesmo ano tenho se casado com
outra mulher, Rachele (Michela Cescon).
Sem saber de Rachele, Ida já havia vendido suas posses
para bancar o panfleto do então jornalista militante - e no momento
em que chega ao poder, nos anos 20, já autoproclamado Il Duce (O
Líder), Mussolini deixa Ida. A briga dela por ser reconhecida a
primeira esposa do ditador acaba dentro de um hospício. Por anos
Ida viveu enclausurada como uma doente mental em instituições
administradas, ironicamente, pela Igreja.
A crítica de Bellocchio à promiscuidade entre os
católicos e os políticos - uma relação antes de mais nada
geográfica, uma vez que o Vaticano fica no coração da capital
política da Itália - toma toda a segunda metade do filme e alcança
seu ápice, justamente, quando o Duce faz as pazes com a Igreja em
público e no papel. Mas não é isso que faz de Vincere uma
obra-prima, e sim a análise de como se constrói uma imagem política e
como o discurso de Mussolini se opõe à palavra de Ida Dalser.
Sedução do poder, ímpeto para a guerra e outras
virilidades à parte (é ótima a cena em que Mussolini busca a sacada
do apartamento depois de transar com Ida, como se quisesse contar a
todos a sua performance), Bellocchio coloca Benito e Ida num mesmo
degrau - a palavra dos dois tem o mesmo valor. Dá pra enxergar Vincere
como um longa dividido em dois, primeiro o teste da honra de Mussolini e
depois, na segunda metade, o teste da honra de Ida.
Como sabemos que o ditador renega o que havia dito na
primeira cena do filme (que Deus não existe, na opinião dele),
então a palavra de Mussolini não vale nada. Não por acaso,
Bellocchio substitui a figura do ator Filippo Timi pela do Duce
real na segunda metade - afinal, a persona tomou o lugar do homem. E
Ida? Ela só precisava mentir para se ver livre do martírio no
sanatório, mas não abre mão da sua palavra, não dissimula. Não cria
uma persona, enfim.
É uma aula de como substitui-se, para fins
programáticos, a imagem do homem pela do timoneiro da nação - o que
implica até comparar Mussolini a Jesus Cristo em certa passagem. O filme
de Bellocchio tem toda uma sofisticada discussão sobre o que é ser
político e sobre a construção de uma imagem política (mesmo via cinema,
via metalinguagem, como acompanhamos em diversos momentos na primeira
metade), mas também é bastante acessível a todos os tipos de
público. Sua força aberta a todo espectador, visualmente, está na
mimetização do panfleto de guerra. O título do filme é só uma das
muitas palavras-de-ordem que saltam a tela, montadas com fusão às
imagens encenadas e a outras imagens de arquivo, e dão ao filme uma cara
de vídeo de marcha popular. É um recurso que pode parecer datado,
mas tem efeito potente.
Por fim, qualquer semelhança com regentes correntes da
Itália, chegados a histrionices e a contar vantagens na cama, não
é só coincidência. Vincere fala sobre Mussolini, fala sobre Berlusconi, e serve para a política de modo geral.
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