Para
citar alguns exemplos, em A Fita Branca
percebemos isso facilmente, já no início deparamo-nos com um clima “
pesado, lento, o ar de mistério, intolerância, ódio e terror rondam os fatos
narrados, dando ao espectador uma sensação de angústia, horror e desesperança,
à medida que se entende aos poucos que o envolvimento central nas tragédias
[crimes] é das crianças” (AQUINO e OLIVEIRA, 2017). Em Amor, o dilema do marido em relação à esposa é sufocante, e a
decisão polêmica na opção pela morte poderia facilmente ser questionada no
senso comum das opiniões apressadas. Com A
Professora de Piano, acessamos um
lado doentio de uma personalidade que a princípio se mostra ilibada, correta,
protegida das distorções de sentimentos, mas que alimenta perversões e uma
relação bizarra e ambígua com a mãe controladora e um aluno do conservatório.
Em Violência Gratuita não poderia ser
diferente, o título em inglês Funny Games
já nos revela a ironia de uma história que orquestra tortura e morte de uma
família que tenciona passar férias em sua casa de campo, e que acaba vítima de
dois rapazes que se revezam em jogos macabros, que ao cabo, parecem ser
psicopatas, jovens de classe média entediados de suas vidas de estudantes. Sem
dúvida, o filme nos transporta, especialmente na sua primeira versão, para
momentos de terror inimagináveis, mesclados com a habilidade do diretor de
inserir, em sua estrutura, dispositivos que alertam para a estrutura da ficção,
que gera uma visão crítica sobre o espetáculo da violência, e uma atuação
brilhante dos atores envolvidos. Merece destaque a atriz Susanne Lothar, que
interpreta Anna e se transforma física e psicologicamente na frente das
câmeras, angariando inclusive sentimentos que oscilam entre a raiva e a
decepção quando enfatizamos a personagem de Georg, seu marido na trama.
Segundo
Oliveira e Ramari (2016),
O enredo, sobre o assassinato
de três membros de uma família apresenta-se em um primeiro momento como um
suspense comercial, com a predominância de imagens-movimento, a fim de entreter
os espectadores com a impressão de realidade. No entanto, quando rupturas
passam a ser realizadas por imagens-tempo, entre outros recursos, o cineasta
induz o público a refletir sobre o consumo cotidiano de imagens de violência. A
sequência do controle remoto é um exemplo desse último caso (OLIVEIRA e RAMARI,
2016, p. 253).
Ainda
neste sentido, outra referência nos remete à especificidade do cinema de Haneke
nessa proposição de saturar o “preceito-base do counter-cinematic, que é o de estimular uma reação em quem assiste”
, ou seja, o cineasta aparece como expoente dessa modalidade que, por fim,
ensaia uma crítica e busca desnudar a alienação presente no consumo de filmes
marcados pelas imagens-movimento.
O ponto-chave que faz com que
as duas versões de “Violência Gratuita” atendam aos preceitos do
counter-cinematic é a maneira com que Haneke retrata a violência. Ele evita
mostrar as cenas em que as vítimas são agredidas ou assassinadas. Quando a
estória inclui um acontecimento desse tipo, a câmera desvia o olhar do
espectador, que só sabe o que está acontecendo por meio dos sons. Essa
estratégia do cineasta faz com que as películas se tornem insuportavelmente
dolorosas para muitos espectadores, por uma única razão: ela não dá vazão à
catarse. Existem relatos de pessoas que não conseguiram chegar até o minuto
final do filme por causa disso (RAMARI, 2014, p. 06).
Como se
vê, a questão ainda permanece, estrear duas versões de um mesmo roteiro, em
línguas diferentes, parece ir além do simples objetivo da celebração e mais um
chamamento necessário para tempos de violência simbólica e real que assola
nossos dias, nada mais apropriado do que inseri-lo nas discussões do Cine Clube
UEMS, que se encontra projetando filmes que instigam reflexão sobre As
representações da Violência no cinema.
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