quinta-feira, 31 de outubro de 2019

FILME 07: NO (Pablo Larrain, 2012)

Módulo: Sociedades totalitárias no cinema
FilmeNo (Pablo Larrrain, 2012)

 
Nesta quinta, dia 31 de outubro, às 16:45, realizaremos a exibição do filme chileno No (dir. Pablo Larrain, 2012).
Com isso, a gente se encaminha para a reta final do módulo Sociedades totalitárias no cinema.

SINOPSE:
Chile, 1988. O regime militar comandado pelo ditador Augusto Pinochet convoca um plebiscito para perguntar à população se ele deve ou não seguir no poder. Apesar das ameaças, um publicitário se junta aos opositores políticos e inicia uma campanha para estimular o povo a dizer “Não” ao governo autoritário. Usando técnicas da publicidade, humor e criatividade, seria possível vencer o medo e o terror em uma ditadura?


Crítica: No, de Pablo Larrain, ou de como perder vencendo
Por Thiago B. Mendonça

Há muito a ser falado deste “No” de Pablo Larrain. O filme tem como tema central a campanha pelo Não a Augusto Pinochet no plebiscito que decidiria sobre sua permanência no poder. A primeira coisa a ser observada é que o filme curiosamente tem sido atacado por seu maior acerto. Soa estranha por exemplo a desqualificação do crítico Inácio Araújo (e  ele não foi o único) por uma suposta apologia à publicidade. “No” não a defende nem a redime. Ao contrário demonstra que ao ser a única vitoriosa do plebiscito, a lógica da publicidade faz com que a disputa entre Sim e Não torne-se uma falsa escolha, rompendo com o ditador, mas não com a estrutura que o sustentava. Não há redenção possível, não há futuro, não há horizonte sem ruptura. Tal qual enunciado pelo bordão do publicitário protagonista que se repetirá ao longo do filme: “o que vocês verão agora está inserido no contexto social do Chile atual”. E é este contexto de imagens vazias, que torna o confronto entre o Sim ou Não uma disputa entre duas alternativas de futuro que são na verdade o mesmo.
O ano é de 1988. Pressionado internacionalmente o governo do ditador Augusto Pinochet resolve realizar um plebiscito para legitimar sua continuidade. Seus auxiliares acreditam que a bonança economica e o apoio dos meios de comunicação desistabilizaria a oposição. Mas o que parecia uma disputa fácil torna-se uma imensa derrota ao ditador. “No” acompanha a vitoriosa campanha do não à continuidade de Pinochet. Apresenta de modo cuidadoso a forma como a publicidade contamina e captura o discurso político da oposição, o modo como o neo-liberalismo sobrevive a Pinochet, como este perverso legado se transmuta e contamina os resultados do plebiscito. O que está em jogo em “No” é que o jogo já fora perdido, independente do resultado. Pinochet ganhou porque a ideologia que sua ditadura impôs sobreviveu a ele e impregnou até mesmo a oposição. A discussão central do filme é justamente a mudança de eixo que se opera no discurso contra Pinochet – a liberdade para o Chile torna-se uma liberdade ilusória pois a campanha não mais se dá contra um sistema político e econômico perverso, mas a favor de uma forma de vivenciar a experiência do consumo. Trata-se de um enfrentamento de competências em oferecer imagens, a disputa por quem melhor manipula as escolhas já pré determinadas pela lógica do capital, representadas por um pretenso “universalismo” cafona e despersonalizado da publicidade (criticado no filme pelos poucos opositores que não se deixam seduzir e acabam excluidos da grande festa da “neo-democracia”).  Larrain nos dá o tempo todo pistas de que os dados já foram lançados: o apoio do ultra-conservador governo Reagan para o No!, o afastamento das tendências “esquerdistas”, o pagamento da memória do “passado” de Allende, o domínio da estética do american way of life, o abandono da caserna à Pinochet  e o fortalecimento dos “moderados” da democracia cristã. Tudo se opera em simultaneidade. Larrain não retrata apenas a ascensão da lógica publicitária e o eclipsamento da crítica e dos conflitos. Narra a forma como os discursos reais de rompimento e sua radicalidade vão sendo engolidos por esta lógica de apaziguamento e homogeinização conservadora.
Voltemos à narrativa do filme. Um jovem publicitário nascido no exílio, René Saavedra, (interpretado brilhantemente por Gael Garcia Bernal), de família militante, porém alienado politicamente e embotado pelas idéias “universalistas” da publicidade é convidado para acessorar a campanha contra Pinochet. Aos poucos ele impõe seu estilo e sua racionalidade publicitaria a políticos tarimbados e consegue afastar os mais “radicais”. É a publicidade e sua lógica que seleciona os políticos, que homogeiniza a oposição, que exclui quadros à esquerda e que mostra o que deve ou não ser discutido. É ela quem define as pautas, pois para Saavedra é assim que funciona a contemporaneidade. É assim que opera o “Sim” e se queremos vencer precisamos jogar o jogo.  A democracia moderna não atua a partir de idéias, mas a partir do seu esvaziamento, ela opera a partir da sedução e do desejo. Trata-se de conseguir a vitória sobre Pinochet, não de refletir e romper com seu legado. É interessante acompanhar o incomodo do personagem de Bernal quando é abordado qualquer conflito político verdadeiro, quando alguma idéia de fato “escapa” em meio à campanha. Como se o próprio ato de fazer pensar pudesse desmascarar toda sua lógica.
Um discurso recorrente no filme é o de que a juventude não quer saber de passado, mas sim da promessa de felicidade do presente. Saavedra repete ao longo do filme o bordão: ““o que vocês verão agora está inserido no contexto social do Chile atual”. É como se a única liberdade a ser conquistada fosse a liberdade do consumo, a política como uma escolha de produto. Temos Si ou No, Coca cola ou pepsi, Brahma ou Antartica. A memória não está em disputa se temos um novo consenso. E eis que todos unidos podemos enterrar o passado, abraçados e sorridentes, como em uma propaganda de margarina. Os mesmos nomes, a mesma lógica, as mesmas imagens eternizam-se no pesadelo da continuidade que não se mostra. Vale lembrar que o “antagonista” de Saavedra no filme é o seu publicitário “chefe”, envolvido até a medula com a ditadura, sendo o principal mentor da campanha do Sim. A posição antagônica porém não implica nenhum rompimento, pelo contrário. Ao final vemos como a vitória é celebrada pelos dois publicitários, o novo sendo o velho com embalagem reciclada. A farsa democrática mantêm-se com os mesmos velhos aliados da ditadura, buscando uma nova roupagem para inserir-se com tranquilidade no “contexto social do Chile atual”.
Em bela crítica ao  filme na revista Cinética Victor Guimarães lembra que “a liberdade que se anuncia no horizonte da história chilena só pode se situar no rótulo de um novo refrigerante –, o gesto de Larraín é forte, e já afirma tudo o que falta à maioria dos “filmes históricos”: a integridade de um olhar (…).Larraín decide aderir inteiramente a uma textura videográfica oitentista, filmando em U-matic e produzindo imagens saturadas, com iluminação irregular e enquadramentos instáveis. Aderir imageticamente aos arquivos (e aqui temos um dos paradoxos mais estimulantes do filme) não é investir em uma pretensa “veracidade histórica”, mas justamente o contrário; contaminar todo o filme com a expressividade da televisão é fazer de suas imagens uma instância frágil, igualmente duvidosa, não definitiva.” Não estaria portanto Larrain, ao abraçar esta estética como realidade do filme, explicitando sua visão do No! como a farsa conteporânea que se se segue à tragédia do golpe? O presente como uma continuidade de mau gosto da realidade econômico e social do Chile de Pinochet? Ao apontar a continuidade da lógica neo-liberal a partir do discurso publicitáro Larrain faz um filme de vital importância não só pelo que diz,  mas pelo que deixa em aberto em seu subtexto pessimista, a ironia amarga que nos deixa em sua conclusão. No! incomoda porque ao abordar a partir da publicidade o fim da ditadura Pinochet, demonstra de modo perspicaz como a vitória do consenso tornou-se no Chile o enterro do dissenso.
No final do filme, em meio à festa da “volta da democracia” um único personagem parece melancólico. É o publicitário, aquele que não pode escapar do óbvio, não haverá mudança. “No” é o retrato de uma vitória amarga. A vitória consentida pelo capital, pois Pinochets tornaram-se descartáveis na era da ditadura da imagem, sendo a liberdade mediada pelo consumo muito mais eficaz. É o que vemos na cena em que Bernal segue seu cotidiano de reificação do discurso publicitário junto à uma grande TV do Chile que até então apoiara a ditadura. Nada muda. A mesma estética. As mesmas imagens desgastadas e corrompidas de uma pretensa modernidade. Hoje estão todos sempre a olhar o futuro, tal qual cavalo com antolhos. Aí está a grande questão que nos deixa Larrain, o que diferencia este filme de todos os feitos até então sobre os anos de ditadura civil-militar latino-americana. Se levado a sério “No” nos deixa uma deprimente constatação de fim de linha, de vitória sem oposição do neo-liberalismo no Chile (e porque não no Brasil?), o fim de uma época de lutas, celebrada publicitariamente em uma ode cínica ao presente eterno. Diante deste quadro não é possível ficar calado. Não basta constatá-lo, é preciso combatê-lo. Será o cinema uma arma possível para este embate simbólico?

Publicado originalmente em http://zagaiaemrevista.com.br/article/no-de-pablo-larrain-ou-de-como-perder-vencendo/



TRAILER




FILME 06: IRACEMA UMA TRANSA AMAZÔNICA (Bodanzky e Senna, 1976)

Módulo: Sociedades totalitárias no cinema
Filme: Iracema uma transa amazônica (1976)

 
No dia 17/10, o Cineclube UEMS exibiu o filme Iracema, uma transa amazônica (1976, Orlando Senna e Jorge Bodanzky).
Dentro do módulo “Sociedades totalitárias no cinema”, focalizamos o tema da Ditadura Militar Brasileira.
Em 1974, dois jovens cineastas gravam um filme clandestino durante a ditadura militar brasileira. Ao filmarem a abertura da rodovia Transamazônica, eles misturaram ficção e documentário para registrar a degradação da vida humana durante o regime. Uma obra-prima do cinema nacional.

SINOPSE:
Iracema, uma menina do interior do Pará, vai a Belém para cumprir uma promessa durante a festa do Círio de Nazaré e acaba se prostituindo. Um caminhoneiro chamado Tião Brasil Grande, negociante de madeira e defensor dos ideais da ditadura do governo Geisel, percorre a estrada transamazônica em busca de lucro. Tião e Iracema se encontram, enquanto o ambiente de degradação em que vivem vai definindo o destino e caráter das personagens.
. Influenciada pelas outras prostitutas ela quer ir para os grandes centros ( São Paulo e Rio) e pega carona com o motorista.


DISCUSSÃO 5: AS CRIANÇAS EM ALEMANHA ANO ZERO E A EDUCAÇÃO DEPOIS DO NAZISMO

Módulo: Sociedades totalitárias no cinema
Texto: Educação após Auschwitz (Theodor Adorno, 1965)

Link para o texto aqui

No dia 03/10, às 17 horas, fizemos uma discussão sobre o filme Alemanha ano zero (1948), de Roberto Rosselini, e sobre o texto Educação após Auschwitz (1965), do filósofo Theodor Adorno.
Em Educação após Auschwitz (1965), o filósofo alemão afirma, a partir de Freud, que na própria gênese da civilização está contida a barbárie. Durante todo o seu texto, Adorno nos tenta mostrar de que forma esta barbárie humana poderia ser amenizada. O que seria o nazismo se não a expressão mais profunda da barbárie a que nós, seres humanos, podemos chegar? Para o autor, reside aí a importância fundamental da educação: impedir o retorno à barbárie, impedir que Auschwitz se repita.




Tópicos para discussão:


1. COMO IMPEDIR QUE AUSCHWITZ SE REPITA? O RETORNO IMINENTE DO FASCISMO

- Papel fundamental da educação: fazer com que Auschwitz não se repita (p. 33)

O estado de coisas não mudou, por isso, Auschwitz continua sendo possível novamente. (p 33)

- Freud: a civilização produz a barbárie intrinsecamente.

- 6 milhões de judeus exterminados em campos de concentração.

- Bomba atômica e a possibilidade técnica do genocídio (p 34) EUA.

- O que tornam os homens capazes de tais atos? (p 35)

- Toda a sociedade que apoiou os líderes genocidas também é culpada (p 35)

- A primeira infância e a formação do caráter.

- O mal-estar na civilização: a pressão administrativa, as leis, a repressão, acaba por incitar a barbárie no próprio corpo social (p 35)

- Quando o Estado e a vida administrada bloqueia os anseios individuais, a revolta pode brotar de forma imponderada...
2. POR UMA EDUCAÇÃO A PARTIR DA LEMBRANÇA DO HORROR E DE SUAS CAUSAS

- Tornar conscientes os motivos do horror desde a primeira infância... (p 35-36)

3. CRIAR UMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA, CAPAZ DE COMPREENDER O PASSADO

A necessidade de autoridade: os homens incapazes de lidar com a democracia e a autodeterminação (p. 36)

- O problema do vínculo: o vínculo massificado produz a demanda de autoridade... (p 37)

- Solução é a autodeterminação dos indivíduos em sociedade, calcada na reflexão, em não deixar esquecer o que aconteceu.

Enfrentar o horror.

FILME 05: ALEMANHA ANO ZERO (ROBERTO ROSSELINI, 1948)

MÓDULO: SOCIEDADES TOTALITÁRIAS NO CINEMA: REALISMO E DISTOPIA
FILME: O ovo da serpente (Ingmar Bergman, 1977)
DATA: 26/09/2019 
 
O Cineclube Uems exibiu o filme Alemanha, Ano Zero, de 1948, um clássico do diretor italiano Roberto Rossellini.
Dentro do módulo “Sociedades totalitárias no cinema”, seguimos discutindo o tema do nazismo e o modo como podemos compreendê-lo por meio da linguagem cinematográfica, neste caso, a partir do neorrealismo italiano.

SINOPSE:
O filme segue Edmund, um rapaz que vive na cidade de Berlim, destruída pela Segunda Guerra Mundial. Para ajudar a sua família, Edmund tem que pensar em várias formas de arranjar comida e sobreviver. Um dia, encontra um antigo professor e Edmund espera que ele o ajude de alguma forma. Porém, não é isso que acontece. 



Crítica: ALEMANHA ANO ZERO
Por Roberto Honorato

Chegando ao fim da Trilogia da Guerra de Roberto Rossellini, temos Alemanha, Ano Zero. Ainda que os longas anteriores estejam interessados em representar o cotidiano do cidadão encarando as repercussões da guerra, aqui temos pela primeira vez um protagonista na figura de Edmund, um garoto de doze anos vivendo em uma Berlim pós-guerra, que faz de tudo para conseguir trazer alguma comida no fim do dia para sua família. Enquanto o garoto se arrisca nos destroços da cidade, assistimos o drama de sua e de outras famílias sobrevivendo em um apartamento bombardeado, com o racionamento de energia e as constantes batidas militares.

Assim como em Roma, Cidade Aberta, há uma atmosfera deprimente ao mostrar a realidade destas pessoas, aqui por conta do que já se perdeu. Rossellini apresenta planos abertos de ambientes corrompidos pela guerra, e mesmo que possamos ver um pouco da beleza do passado, ela está rodeada por toda a ruína, dificultando a motivação do povo em seguir em frente. A maioria das crianças consegue ignorar o arredor, mas Edmund passa uma boa parte do filme caminhando por horas, de cabeça baixa, tentando vender objetos caros em troca de uma lata de carne enlatada. Em certo ponto, o garoto tenta vender um vinil com a gravação de um áudio de Hitler, uma missão perigosa mas necessária. 

Personagens intrigantes como o ex-professor de Edmund, interpretado por Erich Gühne, ou Karl-Heinz, o jovem de princípios duvidosos feito por Franz-Otto Krüger, são surpreendentes e mantém uma dinâmica que faz deste filme uma experiência mais completa, mostrando pontos de vista que fortalecem a narrativa. Mas é por conta da perspectiva de Edmund, muito bem representado pelo ator-mirim Edmund Meschke, que a obra atinge outro nível. Assim como o personagem de Jean-Pierre Léaud, em Os Incompreendidos, recebe admiração do público, considero Meschke tão bom quanto, talvez mais envolvente por conta de sua expressão forte e marcada em contraste com um olhar vazio assustador, essencial para traduzir o peso que o garoto carrega assumindo responsabilidades e enfrentando um enorme dilema moral tão cedo na vida. 

Por ser o filme de menor duração da trilogia, é difícil falar dele sem entregar muita informação, mas mesmo sendo lançado há algumas décadas, é uma obra que vale a pena ser assistida sem conhecimento prévio de alguns pontos da trama, não só por conta de possível reviravoltas, mas pelo desenvolvimento lento e a execução mais sólida, se formos nos basear em uma estrutura básica e comparar com o longa anterior de Rossellini, Paisà. E por falar nele, podemos ver uma direção com um orçamento um pouco maior, tendo algumas tomadas aéreas e mais filmagens em cenário, não dependendo apenas das gravações exteriores – ainda que elas sejam impactantes.

Alemanha, Ano Zero é um desfecho apropriado para a série do diretor, terminando em uma nota mais trágica e pessimista, que comprova como Rossellini não deixou de lado sua proposta em manter o realismo e continuar tocando na ferida enquanto ainda está fresca.

Alemanha, Ano Zero (Germania Anno Zero) — Itália, 1948
Direção: Roberto Rossellini
Roteiro: Roberto Rossellini, Carlo Lizzani (diálogos), Max Kolpé (diálogos), Sergio Amidei (versão italiana), Basilio Franchina (ideia original, não creditado)
Elenco: Edmund Meschke, Erich Gühne, Franz-Otto Krüger, Ingetraud Hinze, Ernst Pittschau
Duração: 78 min.