FilmeNo (Pablo Larrrain, 2012)
Nesta quinta, dia 31 de outubro, às 16:45, realizaremos a exibição do filme chileno No (dir. Pablo Larrain, 2012).
Com isso, a gente se encaminha para a reta final do módulo Sociedades totalitárias no cinema.
SINOPSE:
Chile, 1988. O regime militar comandado pelo ditador Augusto Pinochet convoca um plebiscito para perguntar à população se ele deve ou não seguir no poder. Apesar das ameaças, um publicitário se junta aos opositores políticos e inicia uma campanha para estimular o povo a dizer “Não” ao governo autoritário. Usando técnicas da publicidade, humor e criatividade, seria possível vencer o medo e o terror em uma ditadura?
Crítica: No, de Pablo Larrain, ou de como perder vencendo
Por Thiago B. Mendonça
Há muito a ser falado deste “No” de
Pablo Larrain. O filme tem como tema central a campanha pelo Não a Augusto
Pinochet no plebiscito que decidiria sobre sua permanência no poder. A primeira
coisa a ser observada é que o filme curiosamente tem sido atacado por seu maior
acerto. Soa estranha por exemplo a desqualificação do crítico Inácio Araújo
(e ele não foi o único) por uma suposta apologia à publicidade. “No” não
a defende nem a redime. Ao contrário demonstra que ao ser a única vitoriosa do
plebiscito, a lógica da publicidade faz com que a disputa entre Sim e Não
torne-se uma falsa escolha, rompendo com o ditador, mas não com a estrutura que
o sustentava. Não há redenção possível, não há futuro, não há horizonte sem
ruptura. Tal qual enunciado pelo bordão do publicitário protagonista que se
repetirá ao longo do filme: “o que vocês verão agora está inserido no contexto
social do Chile atual”. E é este contexto de imagens vazias, que torna o
confronto entre o Sim ou Não uma disputa entre duas alternativas de futuro que
são na verdade o mesmo.
O ano é de 1988. Pressionado
internacionalmente o governo do ditador Augusto Pinochet resolve realizar um
plebiscito para legitimar sua continuidade. Seus auxiliares acreditam que a
bonança economica e o apoio dos meios de comunicação desistabilizaria a
oposição. Mas o que parecia uma disputa fácil torna-se uma imensa derrota ao
ditador. “No” acompanha a vitoriosa campanha do não à continuidade de Pinochet.
Apresenta de modo cuidadoso a forma como a publicidade contamina e captura o
discurso político da oposição, o modo como o neo-liberalismo sobrevive a
Pinochet, como este perverso legado se transmuta e contamina os resultados do
plebiscito. O que está em jogo em “No” é que o jogo já fora perdido,
independente do resultado. Pinochet ganhou porque a ideologia que sua ditadura
impôs sobreviveu a ele e impregnou até mesmo a oposição. A discussão central do
filme é justamente a mudança de eixo que se opera no discurso contra Pinochet –
a liberdade para o Chile torna-se uma liberdade ilusória pois a campanha não
mais se dá contra um sistema político e econômico perverso, mas a favor de uma
forma de vivenciar a experiência do consumo. Trata-se de um enfrentamento de
competências em oferecer imagens, a disputa por quem melhor manipula as
escolhas já pré determinadas pela lógica do capital, representadas por um
pretenso “universalismo” cafona e despersonalizado da publicidade (criticado no
filme pelos poucos opositores que não se deixam seduzir e acabam excluidos da
grande festa da “neo-democracia”). Larrain nos dá o tempo todo pistas de
que os dados já foram lançados: o apoio do ultra-conservador governo Reagan
para o No!, o afastamento das tendências “esquerdistas”, o pagamento da memória
do “passado” de Allende, o domínio da estética do american way of life, o
abandono da caserna à Pinochet e o fortalecimento dos “moderados” da democracia
cristã. Tudo se opera em simultaneidade. Larrain não retrata apenas a ascensão
da lógica publicitária e o eclipsamento da crítica e dos conflitos. Narra a
forma como os discursos reais de rompimento e sua radicalidade vão sendo
engolidos por esta lógica de apaziguamento e homogeinização conservadora.
Voltemos à narrativa do filme. Um
jovem publicitário nascido no exílio, René Saavedra, (interpretado
brilhantemente por Gael Garcia Bernal), de família militante, porém alienado
politicamente e embotado pelas idéias “universalistas” da publicidade é
convidado para acessorar a campanha contra Pinochet. Aos poucos ele impõe seu
estilo e sua racionalidade publicitaria a políticos tarimbados e consegue
afastar os mais “radicais”. É a publicidade e sua lógica que seleciona os
políticos, que homogeiniza a oposição, que exclui quadros à esquerda e que
mostra o que deve ou não ser discutido. É ela quem define as pautas, pois para
Saavedra é assim que funciona a contemporaneidade. É assim que opera o “Sim” e
se queremos vencer precisamos jogar o jogo. A democracia moderna não atua
a partir de idéias, mas a partir do seu esvaziamento, ela opera a partir da
sedução e do desejo. Trata-se de conseguir a vitória sobre Pinochet, não de
refletir e romper com seu legado. É interessante acompanhar o incomodo do
personagem de Bernal quando é abordado qualquer conflito político verdadeiro,
quando alguma idéia de fato “escapa” em meio à campanha. Como se o próprio ato
de fazer pensar pudesse desmascarar toda sua lógica.
Um discurso recorrente no filme é o
de que a juventude não quer saber de passado, mas sim da promessa de felicidade
do presente. Saavedra repete ao longo do filme o bordão: ““o que vocês verão
agora está inserido no contexto social do Chile atual”. É como se a única
liberdade a ser conquistada fosse a liberdade do consumo, a política como uma
escolha de produto. Temos Si ou No, Coca cola ou pepsi, Brahma ou Antartica. A
memória não está em disputa se temos um novo consenso. E eis que todos unidos
podemos enterrar o passado, abraçados e sorridentes, como em uma propaganda de
margarina. Os mesmos nomes, a mesma lógica, as mesmas imagens eternizam-se no
pesadelo da continuidade que não se mostra. Vale lembrar que o “antagonista” de
Saavedra no filme é o seu publicitário “chefe”, envolvido até a medula com a
ditadura, sendo o principal mentor da campanha do Sim. A posição antagônica
porém não implica nenhum rompimento, pelo contrário. Ao final vemos como a
vitória é celebrada pelos dois publicitários, o novo sendo o velho com
embalagem reciclada. A farsa democrática mantêm-se com os mesmos velhos aliados
da ditadura, buscando uma nova roupagem para inserir-se com tranquilidade no
“contexto social do Chile atual”.
Em bela crítica ao filme na
revista Cinética Victor Guimarães lembra que “a liberdade que se anuncia no
horizonte da história chilena só pode se situar no rótulo de um novo
refrigerante –, o gesto de Larraín é forte, e já afirma tudo o que falta à
maioria dos “filmes históricos”: a integridade de um olhar (…).Larraín decide
aderir inteiramente a uma textura videográfica oitentista, filmando em U-matic
e produzindo imagens saturadas, com iluminação irregular e enquadramentos
instáveis. Aderir imageticamente aos arquivos (e aqui temos um dos paradoxos
mais estimulantes do filme) não é investir em uma pretensa “veracidade
histórica”, mas justamente o contrário; contaminar todo o filme com a
expressividade da televisão é fazer de suas imagens uma instância frágil,
igualmente duvidosa, não definitiva.” Não estaria portanto Larrain, ao
abraçar esta estética como realidade do filme, explicitando sua visão do No!
como a farsa conteporânea que se se segue à tragédia do golpe? O presente como
uma continuidade de mau gosto da realidade econômico e social do Chile de
Pinochet? Ao apontar a continuidade da lógica neo-liberal a partir do discurso
publicitáro Larrain faz um filme de vital importância não só pelo que
diz, mas pelo que deixa em aberto em seu subtexto pessimista, a ironia
amarga que nos deixa em sua conclusão. No! incomoda porque ao abordar a partir
da publicidade o fim da ditadura Pinochet, demonstra de modo perspicaz como a
vitória do consenso tornou-se no Chile o enterro do dissenso.
No final do filme, em meio à festa da
“volta da democracia” um único personagem parece melancólico. É o publicitário,
aquele que não pode escapar do óbvio, não haverá mudança. “No” é o retrato de
uma vitória amarga. A vitória consentida pelo capital, pois Pinochets
tornaram-se descartáveis na era da ditadura da imagem, sendo a liberdade
mediada pelo consumo muito mais eficaz. É o que vemos na cena em que Bernal
segue seu cotidiano de reificação do discurso publicitário junto à uma grande
TV do Chile que até então apoiara a ditadura. Nada muda. A mesma estética. As
mesmas imagens desgastadas e corrompidas de uma pretensa modernidade. Hoje
estão todos sempre a olhar o futuro, tal qual cavalo com antolhos. Aí está a
grande questão que nos deixa Larrain, o que diferencia este filme de todos os
feitos até então sobre os anos de ditadura civil-militar latino-americana. Se
levado a sério “No” nos deixa uma deprimente constatação de fim de linha, de
vitória sem oposição do neo-liberalismo no Chile (e porque não no Brasil?), o
fim de uma época de lutas, celebrada publicitariamente em uma ode cínica ao
presente eterno. Diante deste quadro não é possível ficar calado. Não basta
constatá-lo, é preciso combatê-lo. Será o cinema uma arma possível para este
embate simbólico?
Publicado originalmente em http://zagaiaemrevista.com.br/article/no-de-pablo-larrain-ou-de-como-perder-vencendo/
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Publicado originalmente em http://zagaiaemrevista.com.br/article/no-de-pablo-larrain-ou-de-como-perder-vencendo/
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